CONHECENDO
A JESUS PARA UM VIVER RENDIDO A DEUS E MOLDADO POR SUA IMAGEM REVELADA EM
cRISTO
Hebreus
1.1-4
1.
Antigamente, muitas vezes e de muitas
formas, Deus falou aos pais, pelos profetas. 2. Nos dias finais, nos falou no Filho a quem constituiu herdeiro de todas
as promessas que Deus havia prometido ao seu povo, por meio de quem, também,
criou o universo. 3. Ele, que é
resplendor da glória e expressão exata de Deus, sustentando todas as coisas com
sua palavra de poder, depois de realizar o rito de purificação dos pecados,
assentou-se à direita da Majestade nas alturas. 4. Assim, ele se tornou tão superior aos anjos, quanto é mais excelente o
nome que recebeu.
Jesus:
a plena revelação de deus aos homens
1.
Antigamente, muitas vezes e de
muitas formas, Deus falou aos pais, pelos profetas. 2. Nos dias finais, nos falou no Filho
Jesus é a plena
revelação de Deus aos homens! Diante das dúvidas
sobre a pessoa de Jesus, quem ele é, de fato, o escritor de Hebreus começa com
a afirmação ousada de que “nos dias finais, (Deus) nos falou no Filho”.
Todavia, esta afirmação poderia se basear em mera especulação mística ou
pragmática, como já observamos.
Se este fosse o caminho
adotado por nosso escritor, os judeus na comunidade para quem destinava seu
escrito facilmente o rejeitariam por terem sido ensinados que Deus tinha
estabelecido um modus operandi claro, discernível, sobre o reconhecimento do
seu ser e sua vontade.
Assim, a fim de
estabelecer que Jesus é a revelação final de Deus aos homens, o texto
reestabelece aqueles que eram, e sempre foram, os fundamentos da forma de Deus
falar e tornar conhecido o seu ser e sua vontade aos homens, a fim de
demonstrar que Jesus é a plenitude de tal revelação.
Partindo da expressão
grega o` qeo.j lalh,saj, a saber, “Deus
falou”, o escritor de Hebreus reafirma que toda a verdade, principalmente a que
se refere a Jesus, deve ser vista e encontrada a partir da Palavra de Deus. É
interessante observar que o texto segue estruturas gramaticais gregas bem
definidas, o que permite o entendimento de que ao usar o verbo “falar” no
particípio aoristo o autor estava declarando compreender e aceitar que a voz do
Senhor, conhecida em outras eras, fora definitiva, concluída em cada período, e
que não estava aberta a novas revelações.
Tendo isto em mente, o
escritor de Hebreus nos aponta as duas formas reconhecíveis do falar de Deus
aos homens: aos pais, pelos profetas.
Deus falou aos pais
É interessante que
nosso autor tenha começado sua linha de raciocínio por esta afirmação: “aos
pais”. Digo isto porque, como cristãos reformados, somos logo tentados a
afirmarmos a supremacia das Escrituras em todo processo da revelação divina.
Todavia, o texto estabelece uma linha clara da forma como a Escritura chegou às
nossas mãos: Deus falou aos pais.
Quando o escritor
utiliza a palavra grega patra,sin, “pais”
(grego pathr), ele aponta para duas questões extremamente importantes no
entendimento da revelação de Deus e que hoje negligenciamos, e mesmo
desprezamos, por causa do nosso preconceito com algumas doutrinas da Igreja
Católica Apostólica Romana, a saber:
ü Que
o falar de Deus aos homens se deu de forma escriturística por meio de uma
comunidade de fé que Ele escolheu para ser a portadora e preservadora de sua
Palavra.
ü Que
o sentido, significado, da Palavra de Deus é encontrado não somente por meio de
uma exegese acurada, mas em conformidade com a tradição hermenêutica da
comunidade de fé portadora e preservadora da sua Palavra.
Examinemos, então,
estas questões.
Deus escolheu uma comunidade de fé
para revelar a sua Palavra
Toda a verdade de Deus
foi revelada a um povo que Ele escolheu, soberanamente, para si. Todavia,
quando falamos na “escolha” de Deus, é importante compreender que a mesma não
se deu a partir dos povos existentes, mas a partir da sua decisão de criar um
povo para si (Gn 12.1; 17.1-8), a saber, Israel.
Foi a este povo que o
santo Deus decidiu revelar a plenitude da sua Palavra e nos trazer o seu Filho
amado Jesus, a redenção da história humana. E este povo, por sua vez, preservou
não somente a Palavra revelada, como também o significado de tal Palavra para
futuras gerações.
Quando Cristo Jesus
cumpre sua missão, ele entrega aos apóstolos a responsabilidade pelo término da
transmissão de sua Palavra (Jo 14.25-26; At 1.1-2). A partir de então, um novo
Israel assume a responsabilidade de preservar não somente os escritos, mas
também o significado do colegiado apostólico, a saber: a igreja.
Ao pontuarmos isto
estamos apontando para um fato importante que está presente na frase “Deus
falou aos pais”: Deus sempre se fez conhecido e conhecida a sua Palavra dentro
da comunidade de fé que ele escolheu para si. É isto que teologicamente
chamamos de Tradição da Igreja.
Por causa do nosso
ranço teológico com a Igreja Católica Romana, e também por causa do abuso da
doutrina promovido por esta, quando cristãos protestantes e evangélicos ouvem
falar de Tradição da Igreja lhes dá uma sensação de repúdio, de
rejeição, como se fosse algo puramente humano e que se colocaria em oposição à
doutrina do Sola Scriptura.
Mas quando examinamos a
Escritura Sagrada, observamos que tal doutrina está em plena conformidade com
os ensinos bíblicos. Paulo, várias vezes, fundamentou sua argumentação de
acordo com esta tradição (Rm 1.1-2; 4.19); Pedro também fez o mesmo (1Pe 3.18-21).
Além disso, Paulo a menciona de forma prática para o nosso crescimento
espiritual (2Tm 2.14; ______)
Olhando para o uso que
o escritor de Hebreus faz desta frase podemos compreender que ele esteja
mostrando aos seus leitores que toda a sua discussão sobre a pessoa de Jesus se
dará respeitando esta tradição; que seus argumentos não estariam baseados numa
elucubração pessoal ou fundamentados em fontes não autorizadas. Por isso,
encontramos no texto elementos de debates pautados no ensino da tradição (o caso
dos anjos, 1.5-2.16; o simbolismo do sétimo dia como descanso final dos santos,
4.1-13; Melquisedeque, 7.1-3), e na fundamentação escriturística
veterotestamentária (e.g. as várias citações e alusões ao do Antigo Testamento,
sem apelar para nenhuma fonte extra, mas somente a que era aceita pela tradição
da comunidade da fé).
Antes de analisarmos
riqueza da tradição da igreja, gostaria de salientar um ponto fundamental:
quando falamos de tradição da igreja nos referimos à tradição do povo de Deus,
ou seja, uma tradição que inclui Israel e o cristianismo. Um
entendimento correto da verdade de Deus precisa contemplar a tradição de ambos
os testamentos, tendo em mente:
ü A
revelação progressiva, ou seja, que o Novo Testamento é o ápice de todo o
processo da revelação, ou seja: o Novo Testamento são os óculos para se
entender o Antigo.
ü O
fundamento hermenêutico do Antigo Testamento para o Novo, ou seja: o Novo
Testamento só faz sentido à luz da teologia-promessa do Antigo Testamento.
Tendo considerado isto,
temos condições de analisar a riqueza da tradição eclesiástica para a
descoberta e entendimento da verdade de Deus que se revela de forma plena em
Jesus.
A primeira riqueza diz
respeito ao fato de que foi por meio desta comunidade de fé que Deus revelou os
livros sagrados que dão certeza da verdade para os fiéis.
Ao longo da caminhada
de fé, muitos escritos surgiram requerendo para si o status de inspirados, ou
seja, que possuíam a autoridade de Deus para serem observados e praticados;
todavia, quando comparados aos autênticos textos inspirados, mostravam-se
falhos ou falsos em seus ensinamentos.
No Antigo Testamento
temos o caso dos 7 livros a mais chamados de Deutero-canônicos pela Igreja Católica Romana e os textos apocalípticos do período interbíblico (um período marcado pelos
estudiosos bíblicos a partir do ano 400 a.C., quando se percebe um silêncio na
revelação das Escrituras). A questão é complexa, por isso, a Igreja Católica
Romana não pode ser acusada de ter acrescentado estes sete livros, pois uma lista
de 66 livros era conhecida da igreja cristã ocidental no início do cristianismo
primitivo. Mas o que levou os reformadores a desconfiar que algo estava errado
é que esta lista não era reconhecida pela comunidade de fé à quem o Senhor
havia revelado a sua Palavra, ou seja, a comunidade judaica. Esta possuía uma
lista que equivale aos 39 livros que reconhecemos como inspirados. A Igreja
Católica sabe disso, mas toma para si a prerrogativa de ser a comunidade
responsável pela Escritura, e não a comunidade judaica. Mas se nos mantivermos
dentro da lógica, é óbvio que o texto sagrado vererotestamentário foi
reconhecido e preservado por esta, e não por aquela.
No caso do Novo
Testamento temos o caso dos chamados Livros
Apócrifos, defendido por teólogos liberais como fonte segura e necessária
para compreendermos na somente os primórdios do cristianismo, mas também sobre
o Jesus Histórico. Filmes como “O Código da Vinci” e artigos que saem em
revistas pseudo-científicas como “Galileu”, “Super-Interessante” e afins se
baseiam neste tipo de literatura.
Neste caso, é
importante frisar que a comunidade cristã primitiva, ou seja, comunidades que
foram formadas, confirmadas e firmadas pelos apóstolos, não reconheciam tais
textos por serem “falsos” (significado grego da palavra “apócrifo”, escritos
falsos). Isto significava que tais textos não somente ensinavam outro evangelho
(e.g. gnosticismo), como eram carregados de fantasias em suas histórias, longe
da sobriedade das narrativas do Novo Testamento.
Além disso, podemos acrescentar
outro sério problema aos escritos apócrifos: o que nos parece mais confiável,
um texto que tenha sido escrito junto ou próximo aos eventos que descreve,
permitindo contestação imediata, ou textos que foram escritos muito tempo
depois, quando as testemunhas oculares já tinham morrido à, no mínimo, 3
gerações? Esta é outra razão pela qual os textos apócrifos não foram aceitos,
pois datavam do final do primeiro século da era cristã, muito distante dos
eventos que pretendia descrever.
Mas outros textos sugiram
e foram usados para o crescimento e amadurecimento do povo de Deus. Tirando o
aspecto revelacional, no Antigo Testamento os 7 livros a mais, os Deutero-Canônicos eram, e são até hoje,
muito respeitado entre os judeus (os reformadores também os respeitavam), por
serem livros considerados “inspirativos” para a fé. No Novo Testamento também
tivemos este fenômeno. Livros como Pastor
de Hermas, Epístola de Barnabé, Didaché, entre outros, também foram
usados por cristãos primitivos como instrutivos, inspirativos. Mas como saber o
que era inspirado e inspirativo?
Novamente, a comunidade
da fé nos deixou a tradição clara de reconhecimento. No caso do Antigo
Testamento teria que estar em conformidade com a Torá e a revelação
progressiva. No caso do Novo Testamento teria que estar em conformidade com os
Apóstolos e a revelação progressiva.
Penso que isto seja
suficiente para entendermos a riqueza da tradição da igreja para o nosso
entendimento não somente da fé, mas do Senhor Jesus. Foi por meio dos
pais que Deus proveu os documentos certos para o entendimento de quem é
Jesus. É neste sentido que o escritor de Hebreus usa a expressão “Deus nos
falou nos pais...”. A idéia é que seu discurso (o Livro de Hebreus) estaria
totalmente fundamentado nesta tradição, nada seria inventado, apenas reafirmado
à luz do evento Jesus.
Por isso, se queremos,
realmente, conhecer Jesus, precisamos definir qual será a fonte de pesquisa e
qual sua confiabilidade. Tanto o Antigo Testamento quanto o Novo dão testemunho
não somente de sua confiabilidade histórica, como também do seu selo divino,
pois são livros inspirados. E se almejamos conhecer, de fato, a Cristo,
precisamos nos ater à revelação das Escrituras, e tão somente das Escrituras
para estabelecermos a verdade. Textos extra-bíblicos serão considerados quando
em conformidade com a Sagrada Escritura, mesmo assim, como ilustrações, nunca
como fonte de verdades.
A segunda riqueza diz
respeito ao fato de que foi por meio desta comunidade de fé que Deus preservou
o significado de suas Palavras.
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