CONHECENDO A JESUS PARA UM VIVER RENDIDO A DEUS E MOLDADO POR SUA IMAGEM REVELADA EM CRISTO
As dimensões do conhecimento de Jesus
INTRODUÇÃO
Os evangelistas Mateus, Marcos e Lucas nos narram uma ocasião em que Jesus, no cumprimento do seu ministério, perguntou aos seus discípulos: “Quem dizem os homens que sou eu” (Mc 8.27).
É interessante observar que em todas estas ocasiões a pergunta é feita dentro do contexto de narrativas de discipulado, o que implica dizer que tão importante quanto aprender de Cristo e andar com Ele, é saber quem, de fato, Ele é.
No Evangelho de Marcos isto fica bem evidente. Ali, a partir do capítulo 8.22 até o capítulo 10.52, temos um bloco narrativo que demonstra a importância da questão. Este bloco inicia com a cura de um cego (8.22) e termina com a cura de outro cego (10.52), o que, na exegese bíblica, chamamos de inclusio, um recurso redacional que visava não somente servir à delimitação do discurso (estabelecendo seu início e fim), como também apontar para a tônica da mensagem que se seguiria por meio das narrativas que seriam entrelaçadas.
Este bloco inicia com uma cura intrigante, realizada em dois atos. Diante do Senhor estava um cego, trazido pelas pessoas. Jesus o toma pela mão e o leva para fora da aldeia e aplica-lhe saliva aos olhos. Em seguida pergunta: “Vês alguma coisa?” ao que ouve como resposta: “Vejo os homens, porque como árvores os vejo, andando” (v.23,24).
A seguir, o Senhor lhe põe a mão sobre os olhos e termina a cura, de tal forma que o homem cego, agora, podia ver tudo claramente, distinguindo de modo perfeito.
A grande questão diante desta cura é: por que tal milagre foi realizado em dois atos? O Senhor Jesus já havia realizado outros milagres de forma direta sem precisar deste recurso. A resposta aparece no decorrer das narrativas do bloco, pois no seu enredo vemos a questão que perpassa todo o discurso, as dimensões do conhecimento de Jesus.
Após este milagre, Jesus pergunta aos seus discípulos: “Quem dizem os homens que sou eu” (v.27). As respostas foram, “João Batista”, “Elias”, “algum dos profetas” (v.28), o que indicava que as pessoas, ou as multidões, ainda que estivessem perto do Senhor, eram incapazes de reconhecer quem Ele realmente era. Ou seja, elas estavam na condição do cego no início do bloco, perto, porém sem condições de enxergar quem, de fato, estava diante deles.
Esta é a condição real e a dimensão exata do conhecimento de muitas pessoas nas igrejas cristãs sobre quem é Jesus. Observe que não estou me referindo aos ímpios que vivem na devassidão do pecado. Estes não têm condições nenhuma de saberem quem é, de fato, Jesus. Por isso, esnobam, desprezam, ridicularizam a fé cristã. São homens e mulheres tolos que um dia, na morte, se depararão com o grande tribunal da sua verdade, pois será na hora de sua morte que as verdades que controlaram a sua vida se manifestarão como verdadeiras ou falsas.
A história do primeiro cego e seu estado primário nos revela a condição de muita gente que está próxima a Cristo, podem ouvir a sua voz, podem perceber seu poder, podem se maravilhar com seus ensinos e, todavia, continuam cegas, sem saber diante de quem estão. Assim, quando argüidas sobre quem é Jesus, suas respostas se mostram pobres, destituídas de entendimento real. Às vezes, suas respostas apenas repetem jargões evangélicos, chamando-o de “Salvador”, “Senhor” (este título é muito usado pela Igreja Universal do Reino de Deus e a Igreja Local de Witness Lee), “Filho de Deus”, etc. Todavia, ainda que suas respostas estejam corretas, não fazem a menor idéia do que estão falando.
Muitos cristãos acabam usando os títulos atribuídos a Cristo como uma forma de rito mágico: “Em nome de Jesus de Nazaré, eu ordeno...”, “Jesus é o Senhor...”, “Eu te repreendo em nome do Filho do Deus vivo...”. Mas quando questionamos o significado destas palavras, frases, a pessoa fica confusa ao responder porque não tem entendimento do que disse. Tais pessoas se assemelham a papagaios que aprendem a balbuciar sons sem nenhum entendimento. Assim, se mostram como pessoas cegas.
Como parte da cegueira, tais cristãos só conseguem dimensionar o Cristo pertinente às suas imaginações e elucubrações. Um pessoa que seja cega de nascença não consegue formar a imagem de algo que tentamos descrever, pois tal figura ou imagem nunca lhe foi apresentada. Assim, depende de sua imaginação para tornar concreto aquilo que não conhece. Assim, muitos cristãos, sem Cristo, formulam imaginações sobre quem Ele é a partir de seus corações corruptos, enganosos, e acabam transformando as descrições sobre Jesus em imagens do falso Cristo, um Cristo segundo a pecaminosidade de seus corações.
A descrição do cego em seu estado primário nos alerta para o fato de muitas pessoas que se dizem cristãs estarem longe de compreender quem é o Senhor Jesus, e mesmo estando na igreja, encontrarem-se totalmente perdidas, condenadas ao inferno, pois ainda que estivessem tão perto do salvador, não foram capazes de crer e compreender.
Diante da constatação da cegueira do povo, Jesus se volta para os discípulos, que também andavam com ele, estavam próximos, já haviam escutado várias de suas mensagens, e lhes pergunta: “Mas vós, quem dizeis que eu sou” (v.29a). Então Pedro, líder daquele grupo, lhe responde: “Tu és o Messias” (v.29b). Jesus assinala que a resposta de Pedro estava certa. Ele estava vendo! Então, o Senhor passa a instruí-los sobre a necessidade de sua paixão, morte e ressurreição (v.31), ao que o mesmo Pedro, que havia feito a afirmação correta sobre quem era Jesus passa a repreendê-lo por causa daquele ensino (v.32). O que aconteceu?! Por que Pedro reagiu daquele jeito?! Pedro havia entendido quem era Jesus apenas conceitualmente; ele na conseguia compreender a dimensão e as implicações de chamar o Senhor Jesus de Messias. À exemplo do cego do início do bloco, no primeiro ato de cura, Pedro enxergava, mas não claramente, ele não conseguia “distinguir de modo perfeito”.
Tomando como padrão narrativo os discursos da paixão, morte e ressurreição (8.31; 9.30-32; 10.32-34), Marcos nos mostra que todos os discípulos, até mesmo os mais próximos, que viram coisas inefáveis (Pedro, Tiago e João), falharam em reconhecer, claramente, quem era aquele com quem andavam há 3 anos. Eram cegos parcialmente curados.
No caminho, outro personagem aparece, um jovem rico que parecia saber o que dizia quando declarou: “Bom mestre”. Mas quando colocado à prova, vê desmoronar sua declaração a despeito de todo o conhecimento que possuía da lei de Deus. Mais um cego que via parcialmente.
Estes exemplos de cegos parciais nos mostram a triste realidade daqueles que entregaram suas vidas para caminharem com Cristo motivados por um entendimento parcial e/ou equivocado de quem é Jesus. Suas declarações eram teologicamente corretas; não há razão para desconfiar de que não entendiam do que falavam (os discípulos já caminhavam há três anos com o Senhor; o jovem rico era um estudioso da lei de Deus). Todavia, apesar de serem pessoas capazes de descrever com fidelidade bíblica suas afirmações, eram pessoas incapacitadas de compreender as implicações profundas para o seu discipulado.
Vemos muitos cristãos em nossos dias que agem desta mesma forma. Possuem uma sólida formação doutrinária, às vezes teológica e exegética, mas todo o seu conhecimento apenas alimenta o seu entendimento e os enche de orgulho e soberba pessoal. O que aprenderam de Cristo não foi suficiente para um viver rendido a Deus de suas vontades, se apegando aos seus dogmas pessoais e/ou eclesiásticos sem que necessariamente haja conferência com as Escrituras. São pessoas caracterizadas por belos discursos, mas vazias da experiência da fé requerida pela Palavra de Deus.
O bloco encerra com o cego de Jericó (10.46-52). Ao contrário do primeiro cego, ninguém o leva a Jesus, e quando clama, a multidão manda que se cale (10.48); ao contrário do primeiro cego, ele tem uma declaração sobre Jesus: “Filho de Davi”, um título messiânico tão forte quanto “o Messias”, afirmado por Pedro; ao contrário do jovem rico, atende prontamente o chamado do Senhor deixando tudo o que tinha, sua capa (v.50); ao contrário de Tiago e João, não busca poder ou posição no reino de Cristo (10.35-37), apenas a dignidade de ser humano por meio da restauração de sua vista (v.51); e ao contrário de todos que pareciam enxergar, mesmo curado, decidiu seguir Jesus “estrada fora” (v.52), o que lhe levaria ao caminho da paixão, morte e ressurreição do Senhor (10.33,34, comparado com 11.1). Este cego é a demonstração visível do último estágio de cura do primeiro cego: ele estava vendo claramente quem era Jesus, e por isso, o seu caminho era o caminho do seu Senhor.
O que aprendemos, de forma resumida, neste bloco de Marcos, é que a multidão é cega. Ela não consegue reconhecer quem é Jesus mesmo que esteja ao seu lado. Também aprendemos que há muitas pessoas que andam com Cristo, na comunidade da fé, que são capazes de fazer declarações corretas sobre Jesus, são capazes de compreender, ensinar e mesmo praticar questões morais da lei de Deus, e mesmo assim não vêem corretamente quem é Cristo.
De acordo com o bloco narrativo de Marcos, o verdadeiro discípulo não é aquele que é capaz de ver parcialmente, mas aquele que vê claramente, que consegue “distinguir de modo perfeito”. Isto implica não somente numa declaração correta sobre quem é Jesus, mas também numa vida coerente com a declaração que se faz. Neste caso, isto veio de quem menos se podia esperar: um cego, mendigo, sentado à beira do caminho.
Esse bloco narrativo de Marcos nos ajuda a situar as dimensões do conhecimento de Cristo no livro de Hebreus, pois a indagação: Quem dizem o povo que sou eu? se faz presente ali, nos conflitos comunitários que aqueles irmãos viviam.
Situando o texto de hebreus
O texto de Hebreus foi escrito, por divina revelação do Santo Espírito, a fim de instruir irmãos que estavam passando por um momento difícil de sua fé. Eram judeus, de formação grega, que haviam crido em Jesus como o Messias esperado. Mas que agora estavam sendo questionados em sua fé. Seria Ele, Jesus, de fato, o Messias esperado? Eles não estariam errados ao acreditarem em alguém que parecia não cumprir os requisitos para o messianato, visto não haver vínculos entre sua descendência humana com a descendência sacerdotal?
Diante destes e de outros questionamentos pertinentes ao sacerdócio de Jesus, o escritor de Hebreus decide escrever para dar certeza da fé que aqueles irmãos haviam abraçado. Por isso, é interessante que ele inicie a sua obra fazendo 8 afirmações sobre quem é Jesus, sendo 1 afirmação subtendida e 7 afirmações descritivas, a saber:
1. Jesus é a plena revelação de Deus aos homens
2. Jesus é o Filho
3. Jesus é o herdeiro de todas as coisas
4. Jesus é o executor da criação do universo
5. Jesus é o resplendor da glória e expressão exata do ser de Deus
6. Jesus é o sustentador de todas as coisas existentes
7. Jesus é o sacerdote da purificação dos nossos pecados
8. Jesus é o exaltado nas alturas
Este é o roteiro que o texto nos apresenta para o conhecimento de Cristo que nos faça render nossas vidas a Deus a fim de sermos moldados à imagem de Jesus. Meu desejo é que sejamos contados com o cego que viu plenamente quem era o seu Senhor e o caminho da morte e da vida que lhe foi proposto.
Pr. Airton Williams
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