Erros sobre a Humilhação a Serem Cuidadosamente Evitados
Pergunta: Mas quando é, por outro lado, que eu posso saber que a minha humilhação é pequena demais, e que deveria me esforçar para aumentá-la?
(1) Quando, aparentemente, não há os perigos acima mencionados, quais sejam de destruir seu corpo, perturbar sua mente, transformar suas faculdades, afogar as outras graças, deveres, etc. Não havendo estes perigos você tem pouca razão de temer o excesso.
(2) Quando você não se humilhou o suficiente para levá-lo a valorizar o amor de Cristo, a ter estima pelo Seu sangue e seus efeitos, a ter fome e sede Dele e de Sua justiça e a mendigar ardentemente pelo perdão de seus pecados. Então você tem razão de desejar mais humilhação. Se você não sente grande necessidade de Cristo, mas passa por Ele tão desinteressadamente, como o estômago cheio passa pela comida, como se você pudesse passar muito bem sem Ele, então você pode estar certo de que precisa ser mais quebrantado. Se você não é tão movido pelo amor de Deus, a ponto de se desvencilhar de qualquer coisa para gozá-Lo, e de não considerar nada mais querido do que os céus, você necessita ficar sob convicção dos seus pecados e miséria um pouco mais, e de implorar ao Senhor que o salve do seu coração de pedra. Se você pode ouvir do amor e dos sofrimentos do seu Redentor sem ferver de amor por Ele novamente, e pode ler ou ouvir as promessas de graça, sobre os dons de Cristo, e sobre a vida eterna sem nenhuma considerável alegria ou gratidão, é tempo de implorar a Deus por um coração mais humilhado.
(3) Quando há muitos altos e baixos na obra da sua conversão, e você fica às vezes num bom estado, e novamente num mau estado, como se ainda estivesse irresoluto quanto a se deve mudar ou não; quando você hesita diante dos termos que Cristo estabelece quanto à autonegação, à crucificação da carne, e a abandonar tudo pela esperança da glória, e acha estas coisas duras, e está ainda considerando se deveria submeter-se a elas ou não, ou está ainda reservando secretamente alguma coisa para você mesmo. Isto tudo certamente mostra que você ainda não foi suficientemente humilhado, caso contrário você não estaria agindo tão levianamente para com Deus. Ele ainda deve colocar os seus pecados diante de você, e segurá-lo por um pouco sobre o fogo do inferno, e fazer soar em sua consciência tal estampido, a ponto de fazer com que você se submeta e acabe com suas dúvidas, e o ensine a não mais procrastinar com seu Criador.
O próprio Faraó ficava submisso e insubmisso a Deus, e às vezes deixava Israel ir, às vezes não, sendo necessário que Deus o humilhasse com praga sobre praga, até fazê-lo submeter-se e ficar até feliz em permitir que o povo partisse. Mesmo quando Deus usa dos meios de graça, quando o coração é duro, Ele faz tanto uso das tristezas quanto seja necessário para fazer com que o homem se submeta o mais cedo possível aos Seus termos e se alegre em obter misericórdia em tais termos.
(4) Quando você está insensível e desanimado quanto às ordenanças de Deus e a Escritura tem pouca vida ou doçura para você; quando se encontra quase que indiferente se invoca a Deus em secreto ou não, se vai à igreja ou não para ouvir a Palavra e unir-se em louvor a Deus na comunhão dos santos; quando não sente grande gosto nos cultos e nos sacramentos, mas pratica-os quase que meramente por costume, ou para aliviar a sua consciência, e não por uma grande necessidade que sinta dessas práticas, ou do bem que encontra nelas. Isto mostra, por certo, que você carece de mais um pouco da vara e da espora de Deus. Seu coração ainda não foi suficientemente quebrantado, mas Deus precisa tomá-lo novamente em Suas mãos.
(5) Quando você está esquecido de Deus, e da vida por vir, e esquece tanto dos seus pecados como do sangue do Salvador, e coloca os seus pensamentos quase que continuamente nas vaidades a nas coisas deste mundo, como se estivesse crescendo mais nestas coisas do que na sua necessidade de Cristo. Isto mostra que a pedra ainda está no seu coração, que Deus precisa fazer com que você se alimente de um cardápio mais difícil, para corrigir os seus apetites, e fazê-lo sentir o seu pecado e miséria até que Ele retire os pensamentos que você tem nas coisas que são na realidade pouco importantes, e o ensine a preocupar-se mais com o seu estado eterno. Se você começa a se esquecer do seu próprio estado e de Deus, é tempo de ser lembrado disto.
(6) Quando você começa a sentir mais doçura na criação, e a ser mais lisonjeado com aplausos a honras, e a sentir mais prazer na abundância, e mais impaciência com a pobreza ou necessidade, ou com os erros dos homens, e com as cruzes do mundo; quando você se dedica a ser bem sucedido, e está desejoso de se tornar rico e cai de amor pelo dinheiro; quando você se atira aos cuidados e negócios do mundo, e fica oprimido com muitas coisas por sua própria escolha. Isto mostra, na verdade, que você está perigosamente não humilhado. Se Deus tiver misericórdia de você, Ele o rebaixará e fará com que a sua riqueza se torne em amargura e absinto para você, abaterá o seu apetite e ensinará que uma coisa é realmente necessária: “Desejar ardentemente a comida que não perece”. Ensiná-lo-á daí em diante a escolher a melhor porção.
(7) Quando você percebe que poderia voltar a brincar com as circunstâncias propícias ao pecado, ou a olhar para elas com disposição na mente como se ainda tivesse a mente voltada para isso e quase que pudesse voltar o seu coração querendo novamente aquilo; quando você começa a ter a mente novamente voltada para suas velhas companhias e caminhos, ou começa a se aproximar o mais possível novamente dessas coisas, e a olhar com fixação para a isca na tentativa de provar daquilo que é proibido, e quase que não pode dizer como negar as suas inclinações, apetites, sentimentos e desejos. Isto mostra que você carece de uma obra de despertamento. Parece que Deus precisa ler para você mais um pouco da Palavra, e fazer com que você soletre aquelas linhas de sangue, as quais, ao que parece, você se esqueceu. Ele precisa acender o fogo da sua consciência, até que você sinta e entenda se é realmente bom brincar com o pecado, com a ira de Deus, e com o fogo eterno.
(8) Quando você começa a se tornar indiferente com relação a sua comunhão com Deus. Você começa a não pensar mais muito se Ele lhe aceitou realmente e se de fato lhe manifestou o Seu amor, mas começa a deixar de lado as suas orações e a não mais atentar para elas ou ao que acontece com elas. Passa a fazer uso dos sacramentos raramente questionando o resultado desta prática. Quando você pode dispensar o consolo espiritual dos santos e extrai pouco conforto espiritual de Cristo e dos céus, e cada vez mais dos seus amigos, bens, prosperidade e situações materiais, talvez comece a sentir-se tão bem na companhia de pessoas do mundo, falando e agindo como elas, com a mesma satisfação que antes tinha ao meditar no amor de Cristo. Isto mostra que você ainda não tem um real senso do perigo que corre. A humilhação ainda tem uma grande obra a realizar em você. Você precisa ser ensinado a conhecer mais a sua casa, a ter mais prazer em seu Pai, a conhecer mais o seu marido, seus irmãos em Cristo, mais a sua herança, do que os estranhos ou inimigos de Deus e seus.
(9) Quando você começa a fazer pouco caso das ordenanças ou de outras misericórdias, e ao invés de recebê-las com gratidão e se alimentar delas passa a queixar-se delas, e nada lhe agrada, dizendo: “O pastor é muito fraco”, ou “o pastor é muito exigente”, ou “o pastor é muito formal”, “isso deveria ser desse ou daquele modo”, “o culto é muito ou pouco formal”, “ele gesticula muito ou pouco”, “esta ordem não está boa”, “isto ou aquilo não é apropriado”. Isto tudo mostra que você carece ser humilhado, e que você está mais preparado para a vara do que para o alimento. Se Deus pudesse apenas abrir a porta do seu coração e mostrar claramente a maldade e o vazio que há nele, você veria que o erro não está no pastor nem no culto, e mesmo que houvesse erro neles, o erro maior ainda seria o seu. A causa da sua relutância e contenda com o mundo está no seu próprio estômago cheio, e Deus precisa lhe dar um remédio, que faça o seu coração doer antes que Ele termine a Sua obra. Então o seu apetite será corrigido, a sua frivolidade terá fim, e aquilo que você antes criticava passará a lhe ser doce.
(10) Quando você começa a tufar de orgulho, a pensar muito alto de si mesmo, a ter bons conceitos sobre o seu próprio talento e desempenho, ter prazer em ser notado e visto como alguém que desponta entre os piedosos, e não pode suportar ser esquecido ou ser deixado de lado. Quando você considera os talentos e desempenho dos outros inferiores em comparação com os seus, se considera tão sábio quanto seus mestres e passa a ouvi-los como se fosse juiz deles, com espírito de julgamento, e achando que poderia fazer tão bem quanto eles. Quando você começa a encontrar falta naquilo que deveria estar lhe nutrindo, e não encontra nada em cada sermão a não ser defeitos, e a acha que não cometeria tais erros. Quando você deseja veementemente ser seu próprio mestre e se considera mais habilitado a pregar do que a aprender, a dirigir do que ser dirigido, a responder do que a perguntar. Quando você pensa tão bem de si mesmo que a igreja não é mais boa nem pura o suficiente para sua companhia, embora Cristo não seja ali negado, e você não seja ali induzido a pecar. Quando você se torna crítico e passa a agravar mais e mais a falta dos outros, diminuindo as suas virtudes. Pode ver um cisco nos olhos dos outros, mas não consegue discernir as virtudes deles, a não ser que sejam altas como uma montanha, e ninguém pode passar por piedoso ao seu julgamento, a não ser os santos mais eminentes. Quando você passa a desejar veementemente as novidades na religião e a se achar mais sábio do que a igreja presente e antiga, e se considera excepcional por não ser como os demais. Quando você não pode ouvir nem este nem aquele pastor, embora sejam na verdade ministros de Cristo. Quando você fica batendo sempre na mesma tecla: “Saí dentre eles, e separai-vos deles”, como se Cristo houvesse chamado você a sair da igreja, quando na verdade o chama a sair da companhia dos infiéis. Tudo isso indica que você necessita de mais humilhação.
Você tem um inchaço que precisa ser aberto para permitir que o ar saia e ele seque. Para que você não venha a se perder, para que não venha a ser abandonado por Deus e ser entregue a si mesmo, você precisa ser trazido à humilhação novamente com um testemunho. Quando Deus lhe revirar e lhe mostrar que você é um pobre, miserável, cego e nu, e que está inchado sem razão e se enchendo de si mesmo, Ele fará você parar diante daqueles que você despreza. Ele fará você se considerar indigno da comunhão com aqueles que antes você julgava indignos de você. Fará com que se considere indigno de ouvir aqueles pastores aos quais você antes virava as costas. Ele jogará por terra o seu ensino, coisas tolas, e o tornará feliz em ser ensinado de novo. Numa só palavra, por meio da conversão Ele o fará novamente como criança, ou você nunca entrará no reino dos céus.
Este orgulho espiritual é uma doença lamentável, e consiste em algo excessivamente triste. Para muitos, é o prelúdio de condenação e apostasia. Deus os entrega aos seus próprios conceitos e à sabedoria que eles tanto estimam, até que estes os levem à perdição. E dentre aqueles que são curados, há muitos que o são da maneira mais triste, pois é comum Deus deixá-los sozinhos até que se lancem a erros abomináveis ou caiam em algum pecado vergonhoso e escandaloso, até que se tornem objeto de escândalo e comentários entre os homens. Esta vergonha e confusão podem, entretanto, despertá-los, a fim de que venham a compreender o que foi que os tornou tão orgulhosos, e a reconhecerem que não passam de simples vermes.
Desse modo eu mostrei quando é que você deve buscar uma humilhação mais profunda, e quando pode concluir que ainda não foi suficientemente humilhado. Sim, quando uma humilhação em maior grau é necessária à sua alma.
Pergunta: Bem, mas ainda assim, você ainda não nos disse que caminho um pobre pecador deveria tomar em tal desfiladeiro, quando não sabe se sua humilhação, no que diz respeito à parte emocional, é insuficiente ou demasiada.
Resposta: 1. Vocês mesmos podem discernir parcialmente pelo que foi dito, se têm necessidade de mais ou menos humilhação, apenas testando o coração por essas indicações. 2. Mas, ainda assim, eu os aconselharia e persuadiria veementemente, em caso de dificuldade, a recorrerem a algum ministro capaz e fiel, para uma resolução.
Se você sente que a tristeza se apodera demasiadamente do seu espírito, que põe em perigo o seu entendimento ou a sua saúde, especialmente se você é uma mulher sentimental ou uma pessoa melancólica, não permaneça neste estado por muito tempo, para que a demora não venha a fazer aquilo que não poderá ser facilmente desfeito, mas vá e converse sobre o seu caso, e peça conselho. Esta é uma das principais funções dos pastores: que você possa tê-los à disposição para se aconselhar com eles a respeito das doenças e perigos da sua alma, assim como você faz com os médicos com relação às doenças e perigos do corpo. Desvencilhe-se de toda timidez pecaminosa, e não continue a confiar em si mesmo e nas suas habilidades, mas vá àqueles aos quais Deus designou com superintendência sobre você para estas situações, e conte-lhes o seu caso.
Este é o modo de Deus, e Ele abençoará a Sua própria ordenança. Pessoas melancólicas, sensíveis e irritadiças não são juízes habilitados para avaliar sua própria situação. Neste caso, você deve desconfiar do seu próprio entendimento e não ser orgulhoso, nem se agarrar obstinadamente a cada capricho que venha à sua cabeça, mas, ao sentir a sua fraqueza, confie-se à direção dos seus fiéis ministros, até que o seu problema seja superado, e você se torne mais capaz de discernir por você mesmo.
Outro erro do qual você será aqui alertado é o de pensar que a tristeza e as lágrimas são desejáveis em si mesmas. Elas são desejáveis apenas como expressão de uma disposição sincera da vontade, e quando elas ajudam a atingir o fim para o qual a humilhação é designada. Assim, aqui você poderá aprender o caminho pelo qual deve buscá-las.
(1) Você não deve colocar a ênfase da sua religião nelas, como se fôssemos chamados pelo Evangelho apenas para uma vida de tristeza. Mas deve fazer da tristeza e das lágrimas servas da sua fé, amor, e alegria no Espírito Santo, e de outras graças. Assim como o uso da agulha é apenas para abrir caminho para a linha, e então é a linha, e não a agulha, que faz a costura, assim, a nossa tristeza serve apenas como preparação para a fé e amor, sendo estes os que unem a alma a Cristo. É, portanto, um triste erro que alguns fiquem muito preocupados por sua falta de tristeza, mas pouco preocupados por sua falta de fé e amor, e orem e se esforcem para quebrar seus corações, ou chorem pelos pecados, sem, contudo, fazerem o mesmo para obter aquelas graças maiores, às quais a tristeza deveria conduzi-los. Um deveria ser feito sem se deixar de lado o outro.
(2) Visto que as lágrimas são uma expressão do coração, elas deveriam ser espontâneas e sinceras, fluindo voluntariamente do sentimento interior por causa do mal que lamentamos. Se você vier a chorar bastante, meramente por pensar que as lágrimas são em si mesmas necessárias, e não por causa do ódio que sente pelo pecado e pelo sentimento da sua natureza vil e assassina, isto não tem nada a ver com a verdadeira humilhação. Se o coração estiver humilhado diante do Senhor, não é a falta de lágrimas que fará com que Deus o despreze. Alguns são, por natureza, tão pouco dados ao choro que não podem chorar por nenhuma coisa externa, nem pela perda do mais querido amigo, embora fossem capazes de fazer dez vezes mais para salvar a vida dele do que alguns que choram à vontade. Gemidos, assim como as lágrimas, também são expressões de tristeza, mas a rejeição e ódio sinceros ao pecado, são evidências ainda melhores do que ambos.
Quando, entretanto, a pessoa tem uma disposição natural para chorar, mesmo que seja por dificuldades materiais, e ainda assim não pode derramar uma lágrima pelo pecado, aí o caso é mais questionável.
(3) A razão principal pela qual vocês devem se esforçar para ter uma tristeza mais profunda é para que possam obter o fim ao qual a tristeza deveria levar: que o pecado vos seja mais odioso e mortificado com mais efetividade; que o “eu” seja humilhado, para que Cristo possa ser mais valorizado, desejado e exaltado, e para que você seja melhor habilitado a uma maior comunhão com Deus no tempo por vir, seja salvo do orgulho, e mantido vigilante.
Pelo que foi dito, você tem uma regra pela qual pode acertadamente discernir que grau de humilhação deve ser alcançado: ela deve ir tão profundamente a ponto de minar o nosso orgulho. O coração deve ser tão quebrantado quanto necessário para nos afastar do pecado e nos desvencilhar do “eu” carnal. Se isso não for alcançado, ainda que você chore os próprios olhos, isso não valerá nada. Você precisa ser rebaixado a tal ponto que o sangue de Cristo e o favor de Deus venham a ser mais preciosos a seus olhos do que o mundo inteiro, e em seu próprio coração preferira antes aqueles do que este. Aí, então, você pode estar seguro de que a sua humilhação é sincera, quer você derrame lágrimas ou não.
Pelo que foi dito, você também pode concluir que deve fugir da idéia de atribuir às suas próprias humilhações qualquer valor da honra devida apenas a Cristo. Não pense que você pode satisfazer a justiça da lei ou merecer qualquer coisa da parte de Deus pelo valor dos seus sofrimentos, mesmo que você venha a chorar lágrimas de sangue. Isto não será uma verdadeira humilhação, se não consistir no senso de reconhecimento da sua indignidade e merecida condenação, e se não levá-lo a buscar por perdão e vida em Cristo, e se não levá-lo a se ver perdido e totalmente incapaz em si mesmo. Portanto, seria clara contradição se a verdadeira humilhação viesse a ser tida como satisfação ou mérito, ou algo em que confiar ao invés de Cristo.
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