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terça-feira, 17 de novembro de 2015

A IMPORTÂNCIA DOS ESTUDOS EXEGÉTICOS E A DICOTOMIA COM A VIDA DE FÉ




Airton Williams Artigos 02/11/2015

O estudo da Bíblia tem sofrido nos últimos anos um descaso, até então, sem precedentes. Desde a Reforma Protestante que se tem dado atenção em especial ao texto em si, procurando compreendê-lo a fim de melhor explicá-lo. Foi abandonada, ali, a exegese do “quadruplo sentido das Escrituras”, que tornava os resultados interpretativos muito subjetivos, e passou-se a valorizar o “sensus litteralis”, ou sentido literal, que procurava ouvir a mensagem objetiva do texto.

Desde então, nestes últimos quatro séculos, tem sido a ênfase dos estudos bíblicos esta busca pelo sentido primário, aquele que o autor do texto pretendia. Assim, a exegese avançou muito em seus estudos textuais, históricos, literários e filológicos.

No entanto, nossa geração tem abandonado, paulatinamente, estas ênfases e tem valorizado e praticado uma espécie de leitura mística das Sagradas Escrituras. Tal leitura se pauta, acima de tudo, pela alegorização do que lê, procurando encontrar sentidos “ocultos” e “profundos” para além do próprio texto. Como resultado, se tem caído em explicações textuais estranhas, e até mesmo bizarras, à intenção do autor.

Quando olhamos para a proposta da Reforma Protestante, baseada no método Histórico-Gramatical, e vemos os esforços posteriores da igreja reformada em se aperfeiçoar a exegese bíblica (e.g o Método Histórico-Crítico), nos perguntamos, inevitavelmente: onde erramos? O que aconteceu para que todo esforço por uma exegese fiel à mensagem do texto fosse ignorada pela igreja cristã subseqüente à Reforma? Creio que alguns fatores contribuíram fortemente para este afastamento de uma exegese responsável e comprometida com a mensagem pretendida pelo escritor sagrado.

Por meio de minha vivência como pastor e professor de exegese bíblica, tenho observado que o primeiro ponto de afastamento entre uma exegese fiel e uma interpretação falsa das Escrituras se dá em função do avanço acadêmico dos estudos exegéticos. Por mais paradoxal que isto pareça, com o avanço dos estudos exegéticos a Bíblia foi se tornando um estranho nas mãos do povo, a tal ponto que as ferramentas adquiridas para uma melhor compreensão da mesma acabaram se tornando armas apontadas contra aqueles que se arriscavam a interpretá-la. Assim, as pessoas começaram a se intimidar diante daquilo que deveria ser uma ferramenta, e porque se tornou uma arma começaram a rejeitá-la.

Se não bastasse a exegese se tornar uma estranha no meio do povo de Deus, os resultados propostos (principalmente pela exegese liberal das Escrituras) passaram a assustar os crentes piedosos, que de forma genuína amam ao Senhor. Assim, os resultados advindos da exegese passaram a intimidar os leitores da Bíblia. No início, a intenção era que estes estudos abalizados produzissem um profundamento da fé desvendando algumas das inúmeras dificuldades interpretativas da Bíblia. Entretanto, o que se viu foram resultados extremamente áridos. Literalmente, se caiu no perigo que o apóstolo Paulo já havia advertido na Segunda Carta aos Coríntios, cap. 3.6: “O qual nos habilitou para sermos ministros de uma nova aliança, não da letra, mas do espírito; porque a letra mata, mas o espírito vivifica”.

A exegese se apegou a tantos detalhes de somenos importância que em vez de resolver os problemas existentes acabou criando mais. Com isso, a fé deixou de ser aprofundada para ser questionada. Isto produziu nas igrejas um vazio enorme, pois ao ouvirem algum estudioso bíblico ficavam com as perguntas que lhes eram mais importante : E daí? O que isso tem a ver comigo, com a minha fé? Como isso melhora meu relacionamento com Deus e o mundo à minha volta?

Como a exegese, com todas as suas ferramentas, não conseguiu fazer conexão, durante muito tempo, entre seus resultados e as necessidades espirituais dos seres humanos, as pessoas começaram a se distanciar daquilo que antes havia sido celebrado com alegria, a leitura literal das Escrituras. Assim, começamos a ver na geração presente o ressurgimento da leitura alegórica, subjetiva, mas que fala ao coração. E à medida que a filosofia pós-moderna avança, rejeitando todos os absolutos e relativizando tudo, o estudo exegético passa a ser visto como algo desnecessário, pois quando muito, produzirá algo que não nos diz respeito. Há até mesmo aqueles que veem nisso pura laboração humana sem nenhuma presença de Deus, portanto, “carnal”.

Esta leitura mística acabou por jogar fora “da bacia a água suja junto com a criança”. Todos os avanços que foram importantes para a solidificação da fé Reformada, e a igreja Evangélica subseqüente, foram simplesmente rejeitados. A concepção interpretativa da Bíblia nas igrejas contemporânea não consegue ver nenhuma utilidade para o estudo textual, histórico, literário e lingüístico. Tudo isto passa a ser considerado esforço de pessoas “sem o Espírito Santo”, “frias” na sua relação com Deus, “amantes da letra” que mata.

Por causa disso, temos visto uma série de doutrinas heterodoxas surgirem no meio de nossas igrejas. De repente, começamos a ouvir falar sobre crentes quebrando “maldições hereditárias” em suas vidas, possuídos por espíritos malignos, fazendo “regressão espiritual” para curar traumas passados, ministrando “perdão” a Deus, guerreando contra “espíritos territoriais”, e tantos outros ensinos até então desconhecidos. E a cada dia surgem tantas novidades “espirituais” que fica difícil, para a maioria dos cristãos, distinguir o que é bíblico, de fato, daquilo que pretende ser bíblico, mascarando falsos ensinamentos que pervertem a igreja de Cristo Jesus.

Se por um lado o estudo exegético corre o risco de gerar uma fé árida, destituída de vida (podendo, inclusive, perder até mesmo a própria fé), por outro lado, a leitura mística corre o risco de nos conduzir a uma fé alienada da verdade revelada por Deus em suas Escrituras, gerando, por sua vez, uma vida desconexa à vontade de Deus e, consequentemente, conduzir-nos ao inferno.

Diante do exposto, e dos desafios que se nos impõe a realidade apática de amor genuíno pela Palavra de Deus presenciada na maioria esmagadora das igrejas reformadas e evangélicas atuais, precisamos reagir atendendo a dois clamores bíblicos intratextuais que precisam ser conciliados em nossa tarefa de extrair e expor com fidelidade as Sagradas Escrituras.

Primeiro, a Bíblia requer obreiros preparados que saibam manejá-la bem (2Tm 2.15), pois este é um dos traços distintivos entre o líder cristão fiel a Deus e o mercenário (2 Co 2.17), a fim de evitar distorções da sua mensagem (2 Pe 3.15,16). É neste contexto que vemos a importância de um estudo abalizado que procure ouvir a voz do Senhor tal como nos foi revelada, e não segundo nosso entendimento em particular como pessoas ou grupo denominacionalista. Não é incomum ouvirmos, após uma exposição bíblica que contrarie interesses, expressões do tipo: “esta é a sua interpretação da Bíblia; existem outras”. Tais falas refletem este espírito individualista de verdade.

Esta Palavra, para ser bem manejada, requer conhecimentos Históricos (pois o nosso Deus se fez conhecido na história da humanidade), Literários (pois Deus não anulou o escritor sagrado quando o inspirou, razões pelas quais encontramos diversos gêneros literários na Bíblia, os quais possuem características distintivas), e Lingüísticos (pois Deus se fez ouvir através de línguas que nos são estranhas ou diferentes, entretanto, usuais quando de sua manifestação). Quando desprezamos estas coisas, desprezamos a voz de Deus, e passamos a impor nossas vozes como a voz do Senhor.

Segundo, a Bíblia requer, também, que sua mensagem conduza o pecador à salvação e ao crescimento por meio do ensino, repreensão, correção, educação na justiça, a fim de que este seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra (2 Tm 3.14-17). Jesus nos disse: “Examinais as Escrituras, porque julgais ter nelas a vida eterna, e são elas mesmas que testificam de mim” (Jo 5.39), portanto, o estudo das Escrituras tem que nos conduzir a vida eterna que está em Cristo.

Como dissemos no início, nossa geração tem desprezado o estudo sério das Escrituras e favorecido uma leitura subjetiva, alienante e mística da mesma. Com isso, tem se desviado, em muito, das verdades eternas reveladas nas Sagradas Escrituras. Por isso, é mister, como ministros de Deus, chamados para o santo ofício da pregação e ensino de sua Palavra, resgatarmos a importância do estudo objetivo da Bíblia, desfazendo a insensatez daqueles que a distorcem para a perdição de quem os ouvem e os seguem. Entretanto, para isso, precisamos estar cientes de que a exegese deve ser encarada como ferramenta para aprofundamento da fé daquele que a utiliza e daquele que recebe os resultados do seu trabalho bíblico, e não como uma arma apontada contra a fé de nossos irmãos em Cristo.

Aplicate-te totalmente ao texto, aplica-o totalmente a ti.
(Johann Albrecht Bengel)
Airton Williams

Bacharel em Teologia pelo Seminário Presbiteriano do Sul (Campinas-SP) e pela Universidade Luterana do Brasil, ULBRA (Canoas-RS), Mestre (Th.M) em Teologia Exegética pelo CPAJ-Mackenzie-SP e pós-graduado em Ciências da Religião e em Língua Portuguesa, com concentração na Análise do Discurso, autor dos livros “O Amor de Deus derramado em nossos corações” e “O mito e a história na criação: uma análise literária de Gênesis 1.1-2.3”, ambos publicados pela Fonte Editorial; Certeza de Salvação, Discernindo Dons Espirituais e Não Andeis Ansiosos ambos publicados pela Editora Sebi. Há 18 anos trabalha como conselheiro bíblico.

Texto retirado do site: www.sebi.com.br

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